27 de maio de 2025
Agora
Estou de pijama debaixo do meu edredom bordô pesadão. No fone de ouvido comecei ouvindo o último disco do Sparks e agora toca a playlist da banda. Tô vendo picotado O discreto charme da burguesia do Buñuel e só porque apareceu o selo no Mubi mostrando que vai sair do catálogo. Quando vi O anjo exterminador no cinema o carinha que apresentava a sessão disse que era o irmão com menos dinheiro desse filme. Provavelmente não disse isso, mas tô com isso na cabeça. Não sei ainda o que dizer na terapia amanhã. Faço lista? Pensando em reativar outro web endereço, colocar subdomínio, usar pra costura, portfólio, sei lá. Fui tentar e fiquei perdida, não lembro mais como faz. Fica pra amanhã, coloquei na lista, outra. Confirmei presença em um aniversário, fui em outros três de familiares esse mês, coisa incomum. Tá nos rascunhos. Infinitas guias abertas aqui. Hoje quase enviei currículo para um lugar, mas fiz pesquisa, desce desce desce a tela, e senti tanto asco de gente tão pulha que deixei pra lá — Noel Fielding porto–alegrense é tudo que vou falar. Opa, é Pulp que toca agora. Ah! Terminei de ler A vegetariana, Han Kang. Não sei muito o que pensar, achei médio, li chorando, mas eu já tava chorando independentemente. Esse mês li Piquenique na estrada e Umbigo sem fundo, ambos emprestados. Do primeiro devo ter escrito algum rascunho em algum lugar mas vai ficar por isso mesmo. Não gosto de escrever sobre livros, não gosto de ler sobre bandas, não me interessa como a máquina do cinema é feita. Eu gosto de quando qualquer coisa dessas se entrelaça na vida pessoal e toma outro sentido, aí é legal. Já falando abobrinhas aqui. Vou jogar o notebook pro lado e dormir.
5 de maio de 2025
Um ano da enchente
Porto Alegre, maio de 2024
Os dias não fazem sentido, falta água, falta norte, falta perspectiva. Nem consigo escrever sobre, sei lá como descrever. É tudo surreal, tudo MUITO. [...] A água passava da altura do meu quadril quando o cara do exército me deu a mão para não tropeçar na rua em meio àquela água lamacenta, me ajudou a subir no carro gigante camuflado. Do meu lado tinha um senhor com um labrador marrom gordo, enorme e bobão. Tinha uma menina novinha tirando selfie. Uma senhora do lado dela chorava desolada. O carro altíssimo foi enchendo, enchendo, enchendo de gente e bicho. Fui de pé, me segurando numa barra de ferro igual no metrô. Consegui carregar comigo duas mochilas muito mal planejadas, mas foi o que deu. Peguei meu celular, carteira, notebook. Peguei muita roupa íntima mas pouco roupa de frio. Desci num abrigo, minha mais antiga amiga me buscou de carro.
Estou desde então na casa dela. Ainda não sei se entrou água na minha, água segue muito alta. Estou bem fisicamente e acho que ainda tenho todas as minhas coisas, mas só. Nunca estive tão ciente do nível do Guaíba, acompanhando minuto a minuto. Nunca acompanhei com tanto afinco o trabalho público de água e esgoto. Tenho amigos que perderam tudo, tudo, tudo. A cidade que cresci está metade debaixo d'água. (15/05/2024)
Quinta-feira, 23 de maio de 2024
02h52. Esse mês não termina. Depois de quase três semanas, consegui finalmente colocar os pés no meu apartamento e pude constatar que não alagou. Que alívio, uma preocupação a menos. O prédio e o entorno seguem inabitáveis, o cheiro pútrido, a lama pelas ruas e paredes, o lixo que apodrece nas residências... Tudo segue inacreditável. Por isso, sigo na casa de minha amiga. [...]
* * *
Ano passado escrevi isso acima de forma rápida, privada, tosca. Mudei de cidade. Não tenho mais aquele trabalho. Pessoas se mudaram, coisas aconteceram e deixaram de acontecer. Meu pai acolheu duas famílias. Ajudei na limpeza de duas casas e também a fazer as modelagens das roupas íntimas que estavam sendo entregues nos abrigos. Lembrei agora, até tinha esquecido. O fedor de tudo. Ainda tem gente sem casa. Caos.